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ENTREVISTA 

 COLETIVO MIUDEZAS 

Setembro 2020

Pensar e repensar o mundo em outra escala: Ateliês do Coletivo Miudezas

Desde 2019, Julia Nowikow de Souza, Marina Rosenfeld Sznelwar e Thais Helena Caramico propõem ateliês infantis e adultos promovendo um jeito diferente para vermos e interpretarmos o mundo: através das miudezas. Com a pandemia e reclusão, adaptações foram feitas para que atividades pudessem ser realizadas remotamente, e com isso, novas provocações e estímulos vêm à tona.

ENTREVISTA

[Laura Belik] Contem um pouco quando e como surgiu o Coletivo Miudezas, e que tipo de atividades vocês estavam fazendo antes da pandemia.

[Coletivo Miudezas] O miudezas surge de um interesse das três artistas educadoras pela relação da criança com a arte, a natureza e a tecnologia. Como um coletivo de amigas, começamos a trocar informações e desejos, até que em agosto de 2019 tiramos a ideia do papel e recebemos as famílias pela primeira vez.

 

Compreender de que forma essa relação acontece, com o propósito de aguçar ainda mais a curiosidade natural que as crianças têm pelo mundo, criamos um ateliê de linguagens diversas, no qual a arte e a tecnologia funcionavam como disparadores para o sentir. Os materiais e ferramentas disponibilizadas e organizadas em ambientes circunscritos convidavam as crianças à pesquisa conforme seus interesses: tinta para pintura, caneta microscópica e lupa para os detalhes, fotografia como registro, literatura temática para apreciação, desenho de observação ou imaginação. Isso tudo era apresentado às crianças após uma caminhada com coleta e perguntas disparadoras.

 

O primeiro ateliê foi se transformando em diferentes propostas - porque em cada ambiente isso é realizado de uma forma - mas o princípio era sempre o mesmo: investigar a natureza e as miudezas do mundo com as crianças em conexão com a arte e a tecnologia.

 

Foi assim que realizamos encontros no Sesc Santos, Museu da Casa Brasileira (em conjunto com a Mostra do Bruno Munari), Instituto Italiano, Sesc Paulista e Sesc Consolação (como continuidade da peça Maria e os Insetos, da Companhia Delas).

[LB] Por que vocês resolveram trabalhar a princípio com público infantil, e o que têm aprendido com esse processo e trocas?

[CM] Nós três trabalhamos com educação e somos pesquisadoras da cultura da infância. Pensar em estar com as crianças nesse projeto chegou como algo muito natural do que já fazemos e acreditamos. Com as crianças, temos a oportunidade de documentar uma série de processos e sensações, e compartilhar com elas o maravilhamento sobre o mundo e suas experiências. Cada ateliê acontece de uma forma, porque estamos sempre trocando e aprendendo a partir da forma como elas expressam o que sentem.

[LB] Além do trabalho com crianças, vocês também deram cursos de formação para educadores, e começaram a pensar atividades para adultos. Como são estas atividades, e o que vocês diriam ser o viés de seu processo educativo englobando “arte, natureza e tecnologia”?

[CM] Após alguns ateliês, fomos convidadas pelo Colégio Alfa, em São Paulo, para ajudar na construção de conceitos e ferramentas para o novo ateliê que estava sendo criado ali. Além disso, ficamos responsáveis por realizar encontros de sensibilização e teoria com as educadoras, em diálogo com o que elas realizavam com suas turmas. Foi uma troca muito linda e potente, porque o contato com a natureza resgata sensações e faz com que todas as pessoas consigam, mesmo adultas, estar no lugar das crianças - de atenção, surpresa, profundidade, conexão e presença.

 

A natureza, portanto, que somos nós, é ainda uma forma de bem-estar porque faz com que possamos nos perceber e conhecer melhor. Através da caminhada, do olhar para o chão, da mão no barro, numa conversa sobre ciclos, renascimento ou desenhando uma planta, somos convidadas a entrar em contato com a gente, o que nos desperta muitas memórias, especialmente de infância. Memórias que podem ser boas ou não, mas que fazem parte da nossa história. Por isso, dentro desse tema também fomos convidadas e pensar uma oficina-instalação na calçada do Museu da Casa Brasileira, onde basicamente escutamos histórias de quem por ali passava.

 

Nesse mesmo tema, também fomos chamadas para participar de um encontro de mulheres no Sesc, mas que infelizmente não aconteceu por conta da pandemia.

[LB] Quais foram as adaptações e mudanças que o coletivo teve que fazer quando começou o período de reclusão?

[CM] Tínhamos vários ateliês programados, mas tivemos que repensar tudo. Primeiro porque tudo o que criamos parte do contato físico, da caminhada, do olhar para o chão, da coleta fora de casa. Alguns encontros, portanto, acabaram ficando suspensos. Em outros casos, levamos para as redes, em outros formatos, ações de diálogo com as famílias.

 

Para o Sesc Santana, onde faríamos ateliês e participaríamos do Seminário Criança e Natureza, produzimos um vídeo com a história da Valentilha, uma lentilha muito simpática. A narrativa ilustrada chamava a atenção das crianças, mas o propósito do vídeo era contar para elas que mesmo em casa havia algumas formas muito divertidas de estar em contato com a natureza: criando texturas de desenhos a partir da técnica de frotagem com diferentes sementes e registrando, em texto, foto e desenho, o processo de germinação de uma lentilha - desde colocá-la na água até levá-la para a barriga.

 

Em outros momentos, usamos as redes para compartilhar cartas com perguntas e propostas para as crianças fazerem em casa, e também lançamos desafios de desenhos a partir de fotos e registros a partir de convites.

 

Além disso, vamos alimentando aos poucos outros três projetos no nosso Instagram.

#florestailustrada: publicamos Ilustrações, pinturas, fotografias e tudo de encantado nas artes da fauna e da flora que encontramos por aí. Aos poucos, levamos pro miudezas esses nossos olhares.

 

#convitepromato: para plantar leitura, acompanhar as notícias do céu, do ar, da terra e da água. No convite pro mato, levamos textos e experiências sobre a relação das crianças com a natureza.

 

#bibliotecasefora: como a natureza é representada na literatura? A @bibliotecadefora, um projeto iniciado pela Thaís há alguns anos, foi para o coletivo miudezas, com dicas de livros para seres vivos.

[LB] O uso da tecnologia já era uma das propostas do Coletivo Miudezas. Como originalmente investigações usando esta frente se dava, e o que mudou com a pandemia?

[CM] A tecnologia era uma ferramenta presencial disponibilizada para ampliar o olhar das crianças durantes os ateliês, com o uso de canetas microscópicas ligadas ao computador para observar miudezas ampliadas até 1000 vezes, por exemplo. No momento em que a pandemia se instaurou, a tecnologia virou um recurso para chegarmos até as crianças. Também está sendo usada como ferramenta de registro e comunicação a partir das fotos que as pessoas tem nos mandado para construir nossa #teiademiudezas.

[LB] Em um momento em que quase todas atividades e comunicação acontecem através de uma tela, como vocês conseguem propor exercícios que estimulam o olhar e dinâmicas independentes dos meios digitais, mas que ao mesmo tempo possam ser compartilhados e discutido online? Como as crianças têm se adaptado?

[CM] No meio digital, falamos com as famílias e não com as crianças diretamente. Tudo o que fazemos é construir diálogos-convites para que as famílias percebam que nesse tempo em que estão mais juntas elas possam ter propostas simples no fazer, porém profundas no sentir.

 

Acreditamos que os bons convites são intergeracionais e nosso propósito é que as famílias passem um tempo gostoso juntas, em contato com a natureza possível para elas (o vasinho dentro de casa, o barulho do vento, a observação pela janela). Tudo isso pode ser feito por elas, lado a lado, e compartilhado com a gente nas redes sociais, sem pressa, sem exposição inadequada, sem ansiedade. A troca acontece ali, como uma carta enviada, que leva alguns dias pra chegar, e então para responder.

 

As crianças continuam vivendo seus processos e suas investigações como antes. O que fazemos é convidar, agora que estão em casa com a família, a experimentarem isso em casa com os adultos que estão ali.

[LB] Qual o papel das redes sociais nas atividades que o coletivo tem promovido? O que vocês acham sobre esse espaço de interação? Como ele se difere dos encontros ao vivo, e o que o mundo online possibilita ou impede?

[CM] As redes sociais nos ajudam a estar em contato com as famílias, em especial porque ainda não temos outro site ou plataforma de conexão, nem uma grande mailing com telefones e emails. Dessa forma, é por ali que chegamos às pessoas e fazemos nossos convites. É por ali que recebemos também a resposta para o que estamos propondo.

 

É muito diferente de estar com as pessoas presencialmente, até mesmo porque nossos ateliês são feitos de ambientes e ferramentas diversas como uma forma de organização e apresentação estética. No entanto, percebemos que também funciona, ao ser colocado como uma lugar ágil de compartilhamento de ideias e ações.

 

Para além de todos os dilemas das redes sociais, o que devemos sempre levar em consideração, é fato que o mundo online também possibilita uma interação que, nesse momento de isolamento social, é muito bem-vinda - quando tranquila, leve, calma.

[LB] Em um momento de reclusão e desaceleração, vocês acham que percebemos mais as “miudezas” do nosso entorno? Como vocês tem trabalhado essa questão?

[CM]  Viver esse outro tempo, também o isolamento, pode sim ser uma oportunidade de olharmos mais para o que nos rodeia, até porque estamos todos os dias em um mesmo lugar. Mas para isso temos de fato que parar e olhar para o lugar que habitamos, e nos perguntar várias coisas que talvez nunca antes a gente pensou. Temos de desestruturar o que existia, não é?

 

Fizemos, inclusive, um vídeo para as redes da editora Peirópolis, a convite do Projeto Infâncias, sobre habitar a casa e os sentidos de três cômodos: canto, janela e gaveta - metáforas para tantas sensações e também convite para se pensar muito sobre o que estamos vivendo, que não é algo nem um pouco simples.

Veja o vídeo aqui: https://www.instagram.com/tv/CBqRwconTja/ 

Engavetar boas memórias é criar uma sementeca?

O que as crianças escolhem, recolhem, colecionam?

A gaveta é uma tecnologia?

O ninho é uma gaveta aberta em uma árvore?

O silêncio é uma preciosidade?

Por que os desenhos ficam nas gavetas?

Quais seus espaços de transição, trânsito, lugares de pausa, daquilo que recolhe, preserva?

É nos cantos que nos reencontramos com nossa natureza?

Um mundo onírico se abre nos cantos?

Qual o seu canto? Caverna, cabana, cozinha ou quintal?

Que canto a sua casa tem?

Pensar janela é pensar mundo visto, sentido ou imaginado?

Como é a janela que você imagina?

Os livros de natureza são uma janela com vista?

Que sons você escuta agora, olhando pela janela?

Que paisagens você grava da sua infância?

Se o lúdico é vitalidade, que sonhos a janela te traz?

Quer viver de janela?

O que desabrocha da nuvem, ou da casa do vizinho, quando seus olhos habitam a janela?

A janela é um meio de transporte encantatório?

Coletivo Miudezas
Instagram: www.instagram.com/coletivo.miudezas/
Coletivo formado por:

Julia Nowikow de Souza @julia.nowikow

Marina Rosenfeld Sznelwar @marina.rosenfeld.sznelwar

Thais Helena Caramico @thaiscaramico

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